Governo Federal reforça estratégias para erradicação do trabalho escravo doméstico com iniciativas integradas

No dia 27 de abril, que marca o Dia da Empregada Doméstica, o Brasil celebra 12 anos da promulgação da Emenda Constitucional 72/2013, que ficou conhecida como “PEC das Domésticas”. A legislação, regulamentada pela ex-presidente Dilma Rousseff, delineou os direitos da categoria, que enfrenta muitas situações de abusos, em resposta a demandas das trabalhadoras.

Um dos casos de mais emblemáticos já registrados no Brasil é de Sônia Maria de Jesus. Em junho de 2023, ela foi resgatada por auditores fiscais do trabalho após passar quatro décadas em situação análoga à escravidão na casa de um desembargador, em Santa Catarina. Sem direito a salário, previdência, descanso ou liberdade, Sônia, que é uma mulher negra com deficiência, nunca teve acesso à educação básica e, como consequência, estava alheia aos direitos trabalhistas e humanos fundamentais.

Apesar do resgate, três meses depois, uma decisão judicial autorizou o retorno de Sônia à mesma residência onde havia sido submetida à exploração e privada da convivência da sua família.

“Temos no Brasil, o primeiro caso de desresgate de uma trabalhadora que foi enviada de volta para o ambiente de exploração. Nós, ministério e sociedade civil, estamos na luta para reverter essa decisão e garantir efetivamente que Sônia possa reconstruir sua vida com dignidade e restabelecer o vínculo com sua família de origem”, afirma a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo. “O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania está compromissado com a dignidade da Sônia e de todas as trabalhadoras domésticas deste país”, completou.

Em 2023, o Brasil registrou cerca de 6 milhões de trabalhadores domésticos, conforme a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Do total, 91,1% são mulheres, a grande maioria é formada por mulheres negras, com média de idade de 49 anos, e apenas um terço têm carteira assinada, recebendo em média um salário-mínimo.

Trabalho escravo no âmbito doméstico

Segundo o artigo 149 do Código Penal, podem configurar como trabalho escravo condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva, servidão por dívida e retenção de documentos.

A coordenadora de Erradicação do Trabalho Escravo (CGTE) do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), Carla Craice, ressalta que, no caso do serviço doméstico, a exploração costuma se esconder sob falsos vínculos afetivos, com expressões como “é quase da família” ou com apelo à figura da “mãe preta” para naturalizar a ausência de direitos trabalhistas.

A consultora da Coordenação Geral de Erradicação do Trabalho Escravo, Thaiany Motta, descreveu algumas das violações comuns neste âmbito. “Além da exploração no trabalho doméstico, muitas vezes, vir de forma mascarada por discursos afetivos, as vítimas, em muitos casos, vivem isoladas, sem contato com familiares ou redes de apoio, sem acesso à água potável, comida, descanso digno ou higiene adequada. Doenças relacionadas à negligência também são frequentes nesse cenário”, pontuou.

Ainda de acordo com a legislação brasileira, a contratação de menores de 18 anos para o trabalho doméstico é expressamente proibida, conforme estabelece a Lei Complementar 150/2015, a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Decreto 6.481/2008.

Iniciativas integradas

O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) tem atuado junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para fortalecer ações de combate ao trabalho escravo.

Este mês, o MTE divulgou a “Lista Suja” de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. Nesta atualização, 155 empregadores foram incluídos, sendo 18 por trabalho análogo à escravidão em atividades domésticas.

Entre as iniciativas do MDHC está a reformulação do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, que incluirá protocolos específicos para populações em situações de maior vulnerabilidade e o cumprimento da Meta 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa garantir que nenhuma criança seja submetida ao trabalho infantil em qualquer forma, incluindo o trabalho forçado, a escravidão moderna e o tráfico de pessoas. A meta é que o Brasil seja um país pioneiro da Aliança 8.7.

Para isto, o MDHC está coordenando, com apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e participação de diversos atores do sistema de justiça, estados e sociedade civil, a construção do III Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (III PNETE). O novo plano terá estratégias de prevenção, repressão e atendimento às vítimas, considerando os desafios das formas modernas de escravidão.

Em 2023, foi recriado o Grupo de Discussão de Trabalho Escravo no âmbito Doméstico, a partir da Reunião Ordinária da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE). O grupo foi criado originalmente em 2017 e havia sido desativado.

Desde a retomada, foram realizados debates em torno de três temas escolhidos como prioritários: o abrigamento das trabalhadoras resgatadas; o atendimento, considerando os atravessadores de gênero e raça, tendo em vista que a maioria dos resgatados no âmbito doméstico são mulheres negras; e o acompanhamento dos casos referentes ao pós-resgate considerando o Fluxo Nacional de Atendimento das Vítimas do Trabalho Escravo (Portaria 3.484/2021, promulgada pelo MDHC).

Curso inédito

O MDHC, em parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), lançarão o curso inédito sobre trabalho escravo no âmbito doméstico. O objetivo é disseminar conhecimento sobre o tema com base no Código Penal, informar sobre direitos trabalhistas e divulgar canais de denúncia como o Disque 100 e o Sistema Ipê.

O curso é voltado principalmente para trabalhadores, sindicatos, e profissionais da assistência social e saúde, mas estará aberto também ao público em geral. O lançamento está previsto para o segundo semestre de 2025.

Como denunciar

As denúncias podem ser feitas por meio de ligação gratuita pelo número de telefone 100, WhatsApp (61) 99611-0100 ou pelo site . O sigilo é absoluto.

Outra forma de denunciar é pelo Sistema Ipê – plataforma digital desenvolvida pelo MTE, em parceria com o MDHC, exclusiva para denúncias de trabalho escravo.

Acesse mais informações sobre o atendimento.

Legislação

Promulgada em 2013, durante o governo de Dilma Rousseff, a “PEC das Domésticas” estabeleceu a igualdade de direitos trabalhistas entre trabalhadoras domésticas e os demais profissionais. Entre as garantias estão o salário-maternidade, auxílio-doença, auxílio por acidente de trabalho, pensão por morte e aposentadoria por invalidez, idade ou tempo de contribuição. A medida também fixou a jornada em oito horas diárias e 44 horas semanais.

Em 2015, a regulamentação da PEC veio com a aprovação da Lei Complementar 150, que ampliou os direitos da categoria. A nova legislação tornou obrigatório o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e assegurou benefícios como o seguro-desemprego, salário-família, adicional noturno e de viagens, além do pagamento de horas extras.

Histórico

O Dia da Trabalhadora Doméstica é celebrado no dia 27 de abril em homenagem a Santa Zita, que morreu neste dia. Zita é padroeira da categoria e trabalhou para uma família desde seus 12 anos de idade, na cidade de Lucca, na Itália. Ela era conhecida por sua generosidade com os pobres, tirando sempre do seu dinheiro para atender a quem lhe pedia ajuda. Após sua morte, foi declarada como “Santa das Trabalhadoras Domésticas” pelo Papa Pio XII.

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