Em audiência pública que discutiu formas de combater o racismo no futebol, nesta segunda-feira (26), o presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) considerou a discriminação racial “uma chaga e um vírus que afeta todo o sistema imunológico da sociedade”. Os senadores Romário (PL-RJ), Jorge Kajuru (PSB-GO) e Leila Barros (PDT-DF) manifestaram indignação com o fato de essa conduta persistir no século 21 e defenderam o empenho do Congresso Nacional em seu combate. Já o diretor de Desenvolvimento e Projetos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Leão, informou que a instituição desde o começo do ano, decidiu punir os clubes pela má conduta de seus torcedores e gestores.
Paim informou que a audiência pública, que foi realizada conjuntamente com a Comissão de Educação (CE), foi uma sugestão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a quem considerou “um lutador contra todo o tipo de racismo e preconceito”. O senador gaúcho disse que também manteve conversas prévias sobre o tema e tem recebido o apoio de senadores como Romário, que preside a CE, Jorge Kajuru e Leila Barros, relatora da Lei Geral do Esporte (Lei 14.597) sancionada em 15 de junho. Paim considerou uma vitória a aprovação da matéria pelo Congresso, destacando que o texto traz artigo para criminalização do racismo no esporte.
Severidade
Na opinião de Paim, o país tem a obrigação de tratar as denúncias de racismo com mais severidade. Ele considerou que o futebol tem o dever de ser exemplo, por ser o esporte mais popular, mas lamentou que a atividade ainda apresente uma faceta negativa da sociedade, que é a prática de racismo e da discriminação.
— Existem relatos da prática desse crime por atletas, torcedores, dirigentes e arbitragem, diversos atores do futebol. Nos últimos dias o mundo e o Brasil têm se debruçado diante do caso do crime de racismo cometido contra o jogador Vinícius Junior, no último 21 de maio, em um jogo da La Liga, do campeonato Espanhol, entre o seu clube, Real Madrid, e o Valencia. O jogador da seleção brasileira e do clube Real Madrid já tinha sido vítima do crime de racismo mais de nove vezes e nada aconteceu. Que as autoridades espanholas se responsabilizem, investiguem e punam os criminosos.
Conhecimento de causa
Romário disse que o tema o afeta de modo especial, por ser negro e ter sido atleta. Ele considerou marcante a influência da matriz africana sobre a forma de se jogar, mas afirmou que o racismo ocorre de maneira estrutural e velada dentro das próprias administrações dos clubes de futebol. Ele deu como exemplo o fato de haver poucos negros nas funções de treinadores e dirigentes dessas entidades.
— Manifestações racistas de torcedores são uma demonstração de quem não aceita atletas negros de sucesso. As leis têm poder pedagógico e precisamos torná-las efetivas e concretas para combater a discriminação, não apenas no esporte, mas no nosso dia a dia. Sei que não mudaremos tudo da noite para o dia, mas eventos como essa audiência pública são fundamentais para começarmos a desfazer essa nefasta cultura e acabar de vez com a prática do racismo, numa luta que requer raça e determinação.
Soluções práticas
Leila Barros falou do sentimento de indignação ao ver a cultura da discriminação e da violência, em todos os setores e formas, ainda impregnada na sociedade nos tempos atuais. Ela elogiou o debate e disse ter anotado todas as sugestões, afim de propor soluções e medidas práticas:
— Nós precisamos de encaminhamentos. Sentar juntos, sociedade, setor privado e Parlamento para definir punições severas como, até mesmo, o rebaixamento de clubes. O torcedor também tem de ser responsabilizado. São diversos tipos de preconceitos, até mesmo pelo fato de uma mulher ser mulher. Eu passo preconceito como política, passei como atleta. E quais são as que mais morrem? São as negras. Nos indignamos com todos os atos de racismo pelo mundo, não apenas nas arenas desportivas. A prática nos deixa preocupados, por ainda persistir em pleno século 21, e nos leva a usar a voz para debater nesta casa, ouvir as demandas e buscar soluções.
Punições a clubes
O diretor de Desenvolvimento e Projetos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Leão, pediu a cooperação dos setores públicos e privado, além da sociedade civil, com a causa. Ele informou que a instituição já está implementando medidas de combate ao racismo, entre as quais, a responsabilização dos clubes pela má conduta de seus torcedores, jogadores e gestores, com sanções administrativas que podem ir de advertência, portões fechados e multas, podendo chegar à pena máxima na forma da perda de pontos.
— Há muito a ser feito, mas também há muito sendo feito. O racismo não é culpa da CBF, como não é de nenhuma outra instituição, mas assumir a responsabilidade significa que muito pode ser feito em prol da transformação que a gente precisa. Todas essas condutas, a exemplo do que aconteceu na Espanha com Vinicius Jr, têm sido enfrentadas juntamente com órgãos como o Itamaraty e até mesmo a Interpol, para investigar, instaurar os processos e punir esses criminosos.
Punição individual
O vice-presidente da Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg), Cleomar Marques de Paula, avaliou que as torcidas estão sendo punidas coletivamente, sem que se resolva o problema. Para ele, essa medida deve ser repensada porque acabar com o racismo no futebol envolve diversas medidas, “principalmente a de individualizar o crime, a fim de que a punição sirva de exemplo”.
Caso Aranha
Também participou da audiência o ex-goleiro Aranha, alvo de injúria racial durante uma partida do Santos, sua então equipe, contra o Grêmio, em Porto Alegre, em 2014. Aranha participou virtualmente do debate e se colocou à disposição dos senadores para propor soluções.
— Quem se espanta com racismo no futebol não conhece a História. É preciso termos conhecimento profundo sobre esporte e sobre racismo, para termos avanços nessa jornada. E a mídia e os jogadores podem fazer total diferença nessa luta, por terem poder de influenciar meninos a mudar corte de cabelo, roupa e até forma de andar, por exemplo. Se a gente quer ter ídolos capacitados no futuro, devemos cuidar dos jovens hoje – disse.
Jorge Kajuru, que cobriu o mundo do futebol por mais de quatro décadas, como jornalista, ressaltou a repercussão do caso envolvendo o goleiro Aranha em 2014. O parlamentar lembrou que, nove anos atrás, torcedores gremistas atacaram o atleta com gestos e palavras criminosas e foram flagrados pelas câmeras de transmissão. O episódio resultou em sete pessoas indiciadas por injúria racial, e na exclusão do Grêmio da Copa do Brasil.
Vice-presidente da CE, Kajuru adiantou que pretende apresentar projeto de lei para condenar quem pratica atos de racismo em estádios a permanecer 24 horas detido em todos os dias em que houver jogos de seus clubes ao longo de pelo menos dois anos.
Paulo Paim apoiou a iniciativa, acrescentando que a ideia merece ser aperfeiçoada por meio de debates na Casa.
Governo
Coordenador de Políticas Transversais da Diretoria de Combate ao Racismo do Ministério da Igualdade Racial, Paulo Victor Silva Pacheco defendeu uma atuação mais intensiva das autoridades em defesa de direitos humanos, principalmente para que não se interrompam sonhos de jovens que se espelham em atletas como Vinicius Jr e o próprio Romário.
— Essa é a grande questão do governo federal, que retomou o plano Juventude Negra Viva, por exemplo, cujo objetivo é minimizar os efeitos da violência contra esse público. Formalizamos o grupo de trabalho interministerial, e o programa deve ser lançado em outubro, envolvendo todos os ministérios — adiantou.
Fonte: Agência Senado